Crónica de Alexandre Honrado – O futuro é agora
Estudar cultura permite a porta aberta para quase todos os conteúdos, pois toda a produção humana, mesmo a mais medíocre, é eminentemente cultural e o que na ação humana parece excecional, redutor e lesivo – como o lucro e os mercados, a política como impedimento do progresso cívico, por exemplo – têm uma face cultural onde se refletem feições tão variadas que por vezes não distinguimos máscaras e sentimentos congelados ou esgares de dor, ironia ou impaciência.
Estudar cultura, não só a cultura na generalidade, mas os universos culturais quase infinitos onde se traduz, os micro efeitos e as macro transformações que impõe é sempre um desafio que nos traz cultura e sobretudo põe à prova aquilo que pomposa e imodestamente julgávamos ser a nossa cultura, gota das águas irredutíveis que nos vão saciando um pouco à toa e ao sabor dos improvisos.
Leio no jornal Público – onde já escrevi, há anos, mantendo-me fiel “à camisola”, por assim dizer – uma interessantíssima entrevista conduzida por Luís Miguel Queirós e na qual Olafur Eliasson responde e se reinventa em palavras ( se reinventa, sim, já que o seu meio é a arte em ponto grande e a intervenção social – como ativista, para além de outras causas, concebeu o projeto Little Sun, onde lâmpadas alimentadas a energia solar permitem luz a comunidades sem acesso a eletricidade! Olafur assina “esculturas e arte de instalação em larga escala, empregando materiais elementares, como luz, água e temperatura do ar para melhorar a experiência do espectador.”
Duas ideias da entrevista enchem-me de pistas de trabalho e reflexão, ambas geradas “fora da caixa”, isto é, distantes do suicidário tradicionalismo cultural em que andamos neste primeiro quartel do seculo XXI (ainda nem um quarto do século vivemos e já erguemos tantos epitáfios e cavámos outros tantos túmulos e nele fomos deixando o que resta de um planeta único, fantástico, ameaçado, condenado).
Olafur Eliasson, dinamarquês-islandês radicado em Berlim, cede-nos a frase que aliás é o título da entrevista: “devemos pedir ao futuro que nos guie”.
O passado, curiosamente, sempre ocupou pensamentos e pensadores, até que nos últimos anos o sentido de culpa alojado nas memórias fosse dando lugar aos esquecimentos, parecendo as novas gerações desdenharem do que ficou para trás e as gerações mais idosas condenadas à nova doença do século (uma delas), o Alzheimer, a senilidade, como contraponto a uma existência de rancores, remorsos, erros e maus aproveitamentos de recursos sentimentais, humanos e naturais.
Olafur propõe que escutemos o futuro. É um esforço cultural que merece a nossa atenção.
Não há na adivinhação, na futurologia, na bola de cristal, no tarot de Marselha ou nos búzios lançados na areia enegrecida a solução, mas em nós que potencialmente podemos antever e preparar o que podemos ter mais adiante, para nós e para os que nos sucederem (como os portugueses que fizeram o aqueduto das águas livres para que os seus netos tivessem água em Lisboa, como os Etíopes de agora que decidiram plantar milhões e milhões de árvores para que o planeta volte a ter pelo menos um pulmão a médio prazo).
A segunda ideia que retive de Eliasson é a de que “a cultura é o centro emocional da sociedade (…) pelo que precisamos de espaços onde nos aproximemos não para ser iguais, mas para ser diferentes.”
É uma excelente reflexão, como é excelente o desafio de irmos a Serralves ver a exposição que o autor apresenta sob o título Y/Our Future Is Now (O teu/nosso futuro é agora).
Alexandre Honrado
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